terça-feira, agosto 10, 2010

Casar por amor é uma péssima idéia! – Parte 2

Retirado do site: http://nao2nao1.com.br/casar-por-amor-e-uma-pessima-ideia-parte-2/

Na primeira parte, critiquei o amor como sentimento e nosso mimo hedonista. Agora falo sobre exigências, expectativas e paixões. Além dos sentimentos, haverá uma outra base para o casamento?

O All-in de nossas vidas (ou sobre exigências e intolerâncias)

“A expectativa excessiva produz intolerância. Com isso, negociar e procurar os compromissos sempre necessários numa vida de casal (e, em geral, numa família) parecem constituir uma traição de nossos sonhos de união perfeita. Nós nos divorciamos por esperar demais do casamento.” –Contardo Calligaris

Eu sou fã de Seinfeld. Sempre dou risada com os motivos que eles alegam para acabar seus relacionamentos. Uma garota tinha a cabeça muito grande, outra tinha mãos masculinas, outra não ria de piada alguma, outra cortou o cabelo muito curto. E teve aquela que não deixava o Jerry fazer “a voz”… Com a Elaine, um cara tinha o banheiro sujo, outro não anotou o recado corretamente, outro não ofereceu torta, outro era contra o aborto… Mas todas perdem para a garota das ervilhas:

George: So, what’s going on with you and Melanie? I mean, I know you’re not getting married, but uh, things are happening?
Jerry: Well…actually, we kind of broke up.
George: You what?
Jerry: Well, you know, we were having dinner the other night, and she’s got this strangest habit. She eats her peas one at a time. You’ve never seen anything like it. It takes her an hour to finish them.

Rimos porque Elaine, Jerry, Kramer e George são caricaturas nossas. Em conversas sobre o namoro ou casamento com amigos ou amigas, sempre que consideramos a separação, começamos a listar o que não gostamos no outro: “Eu odeio quando ele faz isso!”. Descrevemos as ervilhas da relação. Podemos imaginar um tipo de amor incondicional, etéreo, transcendente, divino, imaculado, mas não é bem isso que encontramos em nosso corpo e em nossa mente.

Conosco, em falatório interno, fazemos uma outra lista: a de nossas exigências e expectativas. Se estamos juntos a alguém, não é porque estamos compartilhando vidas, caso contrário nenhuma separação seria traumática, mas porque estamos recebendo algo que exigimos. Para muitos, o casamento é nossa maior aposta na felicidade, o grande All-in de nossas vidas. Ao olharmos para nosso parceiro, no fundo, pensamos: “Se existe felicidade, o caminho é por ali!”. Assim que tal processo começa a falhar, as expectativas gritam: “Eu não estou sendo tão feliz quanto eu esperava!”. Nossa dor é do tamanho de nossa aposta romântica. O problema é que o prazer também, então apostamos alto…

Assim, em um mundo cheio de possibilidades, se estamos com uma mulher que não faz sexo anal, por que não trocá-la por outra que adora ser penetrada de tudo quanto é jeito? Se estamos com um homem que não sabe nenhum passo de tango, é hora de considerar substitui-lo por um tangueiro charmoso. Se não tivéssemos apostado todas as nossas cartas no outro, não haveria problema algum em conviver com suas imperfeições. Só que ele recebeu muito para nos entregar apenas isso! Depois da aposta, só ficaremos satisfeitos quando levarmos o grande prêmio, o pacote completo da felicidade.

Essa semana, na Cabana PdH, um homem relatou alguns obstáculos sexuais que está enfrentando com a namorada. Alguém sugeriu terminar a relação e eu respondi: “Se ele terminar agora, é bem possível que ele leve mais dois anos com outra mulher para chegar precisamente no mesmo obstáculo”. Mimados e frescos, não comemos rúcula porque não gostamos, assim como queremos acabar a relação assim que alguns problemas começam a surgir. Não queremos dor e sofrimento, não queremos abandonar nosso conforto para lidar com as necessidades do parceiro. Queremos fazer apenas aquilo que gostamos, não o que é preciso. Junto com as noites de sexo, existem as noites de cólicas, febre ou simplesmente tédio. Você quer tocar e envolver somente uma parte do outro?

Tais questões talvez sejam bobas aos olhos de alguns homens de outras épocas, que provavelmente responderiam: “É claro que você tem de cuidar dela! Ela é sua mulher!” – o mesmo vale para as mulheres, claro. No entanto, atualmente é difícil se opor ao seguinte argumento: “Estou infeliz com ele, não preciso passar por isso”. Como perdemos as bases heterônimas que nos faziam manter a relação (Igreja, Estado e o olhar social como um todo), ainda não sabemos como sustentar as relações de modo autônomo, afinal nossa autonomia é também essa voz que não pára de falar “Ei, você pode ser feliz com outro homem!”.

A paixão camuflada de amor

O dilema apresentado na primeira parte do texto não tem saída. Seus desdobramentos não chegam a lugar algum. Patinamos e alternamos entre diversas visões, teorias, crenças e caminhos que só nos conduzem ao problema inicial: “Se a paixão é impermanente e o amor incondicional uma quimera destinada a seres iluminados, qual seria uma boa base para o casamento?”.

Tal pergunta se funda na crença de que paixão e amor são coisas diferentes (pano de fundo da grande maioria dos comentários). Cito um dos leitores:

“Deve-se levar também em consideração a definição que o autor tem de amor. Aparentemente, dentro de sua visão, o amor é apenas um sentimento, algo que está apenas no plano emocional. Eu chamo isso de paixão.”

Veja, essa não é minha definição de amor, isso é como a maioria de nós vive – justamente o que me propus a criticar! Eu estava apenas descrevendo nossa situação (tanto que o tópico é “O amor como sentimento”, não “O que é amor”). Sejamos sinceros: nas relações que vivemos, nos precipitamos em chamar de amor apenas uma paixão que durou um pouco mais e adentrou nossa vida a ponto de exigir mais de nós. O funcionamento desse amor é o mesmo que o de uma paixão, tanto que é raro acontecer uma separação tranquila ao fim de uma relação longa. Ora, se temos amor incondicional, por que ficaríamos mal quando alguém nos deixasse para ser mais feliz com outra pessoa?

Dentro de nossos pulmões, veias e corações, o amor incondicional perde para a paixão. Um é conceito abstrato (bonito, espiritual, mas abstrato) enquanto o outro é vivo, pulsa, nos enche de ar e brilho nos olhos. Só vamos poder falar em “amor incondicional” quando isso for nosso oxigênio, motivo de acordar e sorrir pela manhã. Enquanto isso não acontece, é melhor trabalhar com o que temos nítido diante dos olhos: a paixão.

É ingenuidade afirmar um amor incondicional e achar que nossas relações amorosas chegam nesse nível depois de passar no teste do tempo e superar as turbulências passionais. Nada mais equivocado! Quando não mais estamos apaixonados, dizemos: “Eu não o amo mais”. E então alguém diz: “Se acabou, é porque não era amor”. Mas isso apenas altera nossa frase: “Então eu nunca o amei”. Podemos alegar visões elevadas, mas quando nosso peito está em jogo, o amor é, sim, sentimento condicionado, paixão camuflada.

Ao esconder a paixão sob o rótulo de amor, algo acontece: perdemos o amor. Deixamos de aproveitar a chance de construir uma relação de amor autêntico logo no início.

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